Por Ronaldo Lidório
É da
natureza humana buscar respostas aos questionamentos da mente, bem como sobre
as impressões e situações da vida. Esta irremediável busca torna-se ainda mais
insistente perante assuntos ligados à nossa própria existência. "De onde
viemos?", "Por que somos como somos" e "O que há após a
morte" são algumas perguntas repetidas em praticamente todas as 6,9 mil
línguas vivas em nossos dias.
Diferentes grupos usam diferentes fontes para perseguir as respostas, e cada
uma delas revela seus critérios e pressupostos. A ciência utiliza aquilo que
pode ser comprovado mediante provas científicas. Como diversos assuntos
(espirituais, por exemplo) não cabem na régua científica, são reputados a
outras categorias. A filosofia utiliza a lógica humana para aquilo que lhe
parece fazer sentido. Assim, as hipóteses são submetidas ao confronto das
antíteses com a possibilidade do encontro de uma síntese que faça sentido ao
assunto estudado. É o conhecido método dialético. A teologia cristã baseia-se
na revelação bíblica que guia, expõe e esclarece as verdades simples e
complexas da vida – e também estrutura tais verdades em doutrinas que tratam de
temas específicos, além das confissões de fé.
Tratando-se de apologia cristã, apesar de teólogos usarem com liberdade outros
campos de estudo (como a ciência e a filosofia) para suas abordagens, é vital
que se defina qual é a fonte primária para a construção das respostas. Um
teólogo reformado, que crê na Bíblia como Palavra inspirada por Deus em sua totalidade,
inerrante em sua revelação e provedora de orientação para a humanidade em todas
as gerações, entende que ela é a fonte de verdade e vida.
O universalismo é a crença de que todos serão salvos e o inferno não existe.
Foi promovido por autores como Gerrard Winstanley, Richard Coppin e George de
Benneville no século 17: portanto, não é novo. Na América do Norte, os que
aderiram a essa linha teológica passaram a ser chamados de universalistas. Há
até uma Igreja Universalista, que abriga tais ensinos. George Knight tornou-se
o maior defensor do universalismo sob influência dos escritos de Friedrich
Schleiermarcher e George MacDonald.
Quanto Rob Bell, pastor norte-americano, até pouco tempo atrás ligado à Mars
Hill Bible Church, em Grandville, no estado americano do Michigan, expõe sobre
suas crenças universalistas, faz uma confusa mistura de fontes – assim como
outros pensadores que defendem essa abordagem teológica. Em alguns momentos, as
Escrituras são usadas para justificar e trazer respostas; em assuntos mais
desconfortáveis, como o pecado e o inferno, porém, a filosofia ou a ciência é
escolhida para propor as soluções, mesmo que contraditórias à Palavra. É
importante lembrar que escolher as partes bíblicas nas quais se deseja crer é
um antigo costume do liberalismo teológico. Bell tem levado adiante a proposta
por meio de carismáticas e bem articuladas palestras, além do seu livro O amor
vence – Um livro sobre o céu, o inferno e o destino de todas as pessoas que já
passaram pela terra, publicado no Brasil pela editora Sextante. O livro fez
barulho. Bell foi entrevistado para a capa da revista Time, viu sua obra ser
transformada em filme – Hellbound?, ou "Quem vai para o inferno?" – e
teve seu nome entre os mais comentados no Twitter. Aqui no Brasil, ele foi
entrevistado pela revista Veja, numa conversa intitulada Quem falou em céu e
inferno?, e motivou sérias discussões teológicas e debates na internet. E o
assunto é mesmo palpitante. O universalismo está ligado a outros movimentos
como o inclusivismo – a ideia de que Deus salvará a humanidade por outros
meios, além do Evangelho –; a teologia do processo, pela qual Deus conhece o
futuro, mas não todo ele; e a hipercontextualização, segundo a qual Deus se
revela em todas as religiões e o sincretismo religioso deve ser o alvo da fé
cristã. De fato, dizer que o inferno existe é um discurso meio fora de moda.
"Você defende o inferno?" Esta foi a pergunta que ouvi, em tom
confrontador, de um universitário, enquanto conversávamos sobre a salvação em
Cristo. Minha resposta foi sobre minha crença em Deus e na autoridade da
Bíblia, a qual nos apresenta o inferno como verdade, assim como o céu.
Trata-se, então, simplesmente de aceitação da autoridade bíblica. O inferno é
uma tragédia sem precedentes. Não é assunto a ser defendido com empolgação, mas
reconhecido com profundo lamento. Junto à queda dos nossos pais, narrada no
Gênesis, é possivelmente o assunto mais trágico e agonizante de toda a Palavra.
RELATIVISMO
As Escrituras expõem o assunto de forma abundante. Jesus nos falou sobre o
"inferno de fogo" em Mateus 5.22, e admitiu a possibilidade de o
corpo ser "lançado no inferno" mais adiante, no versículo 29.
"Perecer no inferno" e "portas do inferno" são outras
expressões de Cristo registradas no mesmo evangelho, assim como a
"condenação do inferno" (Mateus 23.33). As Escrituras descrevem o
inferno como "fogo inextinguível" (Marcos 9.43), lugar de
"tormento" (Lucas 16.23) e "fornalha acesa" (Mateus 13.42).
"Fogo eterno", lugar de "choro e ranger de dentes" e
"cadeias de escuridão" são outras expressões do Novo Testamento para
descrevê-lo. Já o Antigo Testamento fala sobre "angústias do inferno"
(Salmo 116.3), "profundezas do inferno" (Deuteronômio 32.22) e
"profundo abismo", em Isaías 14.15. Isso, sem mencionar diversas
outras atribuições, parábolas e narrativas bíblicas sobre o inferno.
Apesar de sermos abundantemente alertados na Palavra sobre o inferno, não temos
sobre ele detalhes. Igualmente não conseguiremos compreender de forma plena, em
nossa limitação humana, a grandeza de Deus e o equilíbrio entre justiça e amor,
salvação e perdição, sacrifício e perdão. As Escrituras nos revelam o que
precisamos saber, a passagem de Deuteronômio 29.29 nos esclarece que "as
coisas encobertas pertencem ao Senhor", enquanto que as reveladas foram
dadas "a nós e nossos filhos". O texto acrescenta o propósito disso:
"Para que cumpramos todas as palavras desta lei".
Infelizmente, os problemas teológicos cristãos são mais profundos do que apenas
um posicionamento a favor ou contra a existência do inferno. Eles estão
alicerçados nas marcas do nosso tempo, onde o homem, e não Deus, é cultuado e
no qual qualquer assunto que causa desconforto é evitado. A prosperidade do
homem substituiu a cruz de Cristo em diversos púlpitos. Dentre diversos fatores
que influenciam e definem o pensar do homem na atualidade, dois dos principais
são o relativismo e o antropocentrismo. O relativismo cultural é um conceito
atraente que parte de uma premissa de tolerância e equilíbrio. Na antropologia,
a grande contribuição do relativismo foi abrandar a arrogância das nações
conquistadoras e gerar uma visão de tolerância, especialmente nos encontros
interculturais.
Porém, apresentado em sua forma radical – cada vez mais presente na condução do
pensamento da atualidade –, percebe-se que neste sistema não há valores
universais, uma vez que todo valor é relativo a si mesmo. Assim, em sua
compreensão, conceitos como a ética, o bem e o mal são relativos em relação à
ótica de quem os observa e experimenta. Tal pensamento, dessa forma, promove
uma das mais inteligentes armadilhas para o Cristianismo que se fundamenta na
Palavra: diluir a linha divisória entre discordância e discriminação. Sob uma
ótica relativista radical, toda discordância é vista como ato de discriminação
em relação ao que é diferente. Assim, o cristão é constrangido a não expor de
forma clara a sua fé.
A sociedade utiliza sua própria compreensão de cultura para justificar seus
desvios; porém, nem tudo o que é cultural é puro. O relativismo ético extremado
tem tentado moldar esta geração, convencendo-a de que toda prática humana é
justificável desde que seja aceita por um grupo, ou seja, pelo próprio homem.
Em última análise, o relativismo radical nega as trevas. Assim fazendo,
torna-se desnecessária a luz e a verdade. Este é o ponto mais sutil e perigoso
dessa tendência antropológica e filosófica.
CONDIÇÃO
CAÍDA
A Palavra nos afirma o contrário. O Evangelho não foi enviado ao mundo por um
desejo divino desconectado da realidade humana, mas como solução de Deus
perante a morte da humanidade. Assim, a condição humana, caída e em trevas,
além do universo quebrado – que, segundo as Escrituras, geme por restauração –,
são as principais necessidades missionais para o plano de Deus. A humanidade
precisa de luz. Sem nossas trevas, não seriam necessárias a cruz nem a
ressurreição de Cristo. É preciso relembrar que Jesus Cristo é o cumprimento da
promessa de Deus como resposta à angústia do universo caído.
O primeiro capítulo da Epístola aos Romanos nos fala sobre a separação entre
Criador e criatura. No verso 18, lemos: "A ira de Deus se revela do céu
contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela
injustiça". No verso 20, Paulo afirma que Deus se manifestou desde a
criação – e, mesmo assim, continuamos impiedosos e perversos. Somos, assim,
indesculpáveis. Convém notar que a expressão "ira de Deus" não se
manifesta contra o ser humano, mas contra a impiedade e a perversão do homem.
Deus ama o homem, mas odeia o pecado.
A sociedade hoje é uma evidência de nossa separação de Deus, tanto pela
impiedade quanto pela perversidade. E é pela existência da separação (trevas)
que se faz necessária a luz: a luz irradiada na cruz para salvação de todo
aquele que crê ainda brilha hoje. Jesus, nossa luz, raiou e brilha em nós. Em
Mateus 4.16 confirma-se o que Isaías já havia dito: "O povo que vivia nas
trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte
raiou uma luz".
Nos versículos 19 e 20 do primeiro capítulo da carta aos Romanos, Deus se
manifesta através da criação. Há aqui um elemento fundamental: Deus é soberano,
criador de todas as coisas, controlador do universo e detentor da autoridade
sobre a nossa história. Os homens, citados no verso 18, tornam-se
indesculpáveis por ser Deus revelado na criação "desde o princípio do
mundo", sendo revelado tanto o "seu eterno poder" quanto "a
sua própria divindade".
Portanto, perante um homem caído, existente em sua própria injustiça, impiedoso
e perverso, Paulo não destaca soluções humanas, eclesiásticas ou mesmo sociais.
Ele nos apresenta Deus. Na teologia paulina, a solução para o homem não é o
homem, mas é Deus e sua revelação em Cristo. O apóstolo enumera alguns atos de
perversão. No verso 20, ele nos fala da perversão filosófica em que os homens,
mesmo perante a manifestação de um Deus que tudo criou, procuram alicerçar suas
vidas com base em seus próprios pensamentos corruptíveis. No verso 23, ele
aborda a perversão religiosa, manifesta na mudança da glória de Deus,
incorruptível, em imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e
répteis. Isso nos remete à realidade da idolatria.
Do verso 26 em diante, Paulo fala a respeito da perversão ética e moral e
menciona que o homem deixa o contato natural com a mulher, havendo até relacionamentos
"homens com homens, cometendo torpeza". Ou seja, a natureza humana é
pecaminosa e o homem se põe a cometer "atos inconvenientes, cheios de
injustiça, malícia, avareza e maldade". Alguns desses atos pecaminosos são
enumerados a seguir: inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade, soberba,
insolência.
O homem, portanto, não é condenado por não conhecer a história bíblica; ele é
condenado por não glorificar ao Senhor. Os homens não são condenados por não
ouvirem a Palavra; eles são condenados, cada um, por seus pecados. O
desenvolvimento do texto deixa claro que, perante semelhante quadro de
escuridão e perdição, Deus se levanta e nos atrai a ele, em Cristo Jesus.
É comum ao homem caído gerar a ideia de um deus que simplesmente satisfaça aos
seus anseios sem lhe confrontar. Esses deuses utilitários e manipuláveis são
encontrados em abundância em toda a história da humanidade e das religiões.
Biblicamente, porém, não há sentido em apresentar Deus que busca se relacionar
com o homem sem expor o pecado humano e seu estado de total carência de
salvação. O relativismo radical, associado ao individualismo, tem levado muitos
cristãos a apresentarem o lado consolador do Evangelho, omitindo, contudo, sua
realidade confrontadora. Fala-se sobre um Deus que salva o perdido, mas
deixa-se de lado a realidade do estado humano de perdição. Fala-se sobre o céu,
mas não sobre o inferno. Fala-se sobre a cura que alegra, mas não sobre o
sofrimento que burila. Dentro dessa lógica, "pecado" tornou-se um
termo politicamente incorreto e associado à descriminação do indivíduo. Paulo,
porém, nos lembra que é vã qualquer tentativa de se expor o Evangelho de
salvação sem a apresentação da verdade do homem caído, perdido, em trevas e com
total carência da luz de Deus.
SATISFAÇÃO HUMANA
x GLÓRIA DE DEUS
Já o movimento sociocultural histórico e mundial do antropocentrismo vem se
delineando na pós-modernidade a partir de uma perspectiva individualista que
desenvolve o hedonismo e narcisismo. Apesar dos termos repaginados a cada geração,
o antropocentrismo tem sua raiz em Gênesis 3, quando nossos pais escolheram
satisfazer um desejo pessoal em detrimento da obediência a Deus. Em seu
coração, o homem colocava-se pela primeira vez no centro da criação. Hoje, não
é diferente. O homem busca ser o centro do universo e da teologia. Assim, mesmo
na teologia os temas mais celebrados em nossos dias giram em torno da
satisfação humana, e não da verdade divina. Fala-se de céu, e não de inferno.
Promete-se a prosperidade que satisfaz e omite-se o sofrimento e a perseguição.
Contudo, na galeria dos heróis da fé, mencionados em Hebreus 11, encontramos
cristãos fiéis sofrendo, cortados ao meio, lançados em covas de leões,
torturados, maltratados e encarcerados. Lemos que ali mulheres perderam, repentina
e tragicamente, seus maridos, e filhos perderam seus pais.
A influência antropocêntrica também leva a Igreja a desenvolver um perfil
contrário à missão. Ela passa a escolher e destacar os versos bíblicos que
prometem felicidade e paz, deixando em segundo plano os trechos que falam sobre
missão, responsabilidade e serviço. O hedonismo e o narcisismo são variantes
deste movimento antropocêntrico que tem influenciado a Igreja de Cristo de
forma extremamente rápida em nossos dias. O hedonismo – a busca pelo prazer e
realização pessoal – tem tentado extinguir toda chama de abnegação, disposição
e sacrifício do crente pela causa de Deus. Ele também impele o cristão a
escolher suas crenças aceitando aquilo que não o confronta. A cultura do
entretenimento tenta substituir a cultura do serviço. Assim, a humanidade
passou a definir suas atitudes e expectativas perante um único crivo: o que lhe
dá prazer.
Outra influência antropocêntrica é o narcisismo. Este desejo de ser belo e
reconhecido como tal é outro elemento que cativa a Igreja a andar em caminhos
nos quais se substitui a glória de Deus pela humana. Se o motivo maior da
existência da Igreja é glorificar a Deus, o narcisismo é uma das maiores
barreiras em nossa caminhada. Por estímulo narcisista, diversos crentes fazem a
coisa certa pela motivação errada. A armadilha contida nessa variante
antropocêntrica é nos tornarmos pessoas envolvidas com Deus e a sua obra,
ativas na igreja e na missão, solícitas para cooperar com o próximo – porém,
tudo é feito para nossa própria exaltação e glória. Enganoso é o coração!
O narcisismo tenta despertar em nós a vaidade que faz nascer o desejo de sermos
reconhecidos, bajulados e mencionados por outros de forma destacada. É preciso,
porém, compreender que, para cumprir a vontade do Pai, não nos basta colocar a
mão no arado: é necessário buscar um coração puro. Perante os desafios da vida
e da fé, é preciso definir a fonte. O que a Reforma Protestante produziu no
século 16 foi um retorno à Palavra que necessita ser exercitado a cada dia.
Vivemos um dos momentos mais sensíveis quanto ao ataque à fé cristã em nossa
geração. A Igreja está sendo influenciada por relativismos e antropocentrismos
que a levam a buscar a fórmula da felicidade, e não a obediência ao Pai. Também
nossos jovens estão sendo frontalmente combatidos nos meios universitários em
razão de sua fé. A promoção do ateísmo, em todas as instâncias de convívio
social, jamais foi tão forte. Perante tais ataques devemos dobrar nossos
joelhos em oração, alicerçar nossa fé nas Escrituras e ensinar abundante e
insistentemente aos nossos filhos as verdades de Deus.
***
Ronaldo Lidório é pastor presbiteriano, teólogo e antropólogo. Serve
como missionário junto aos povos indígenas do Brasil (APMT/AMEM) e coordena o
Instituto Antropos, que treina e assessora missionários em diversos países.
Fonte: Cristianismo Hoje
Texto adaptado para o blog Púlpito Reformado.
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