Por Vincent Cheung
Dir-me-ás então: "Por que se queixa ele ainda?
Pois quem tem resistido à sua vontade?". Mas quem é você, ó homem para
questionar a Deus? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: "Por
que me fizeste assim?" Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da
mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? (Rm 9. 19-21, ESV).
Paulo
havia demonstrado nos versículos anteriores que se um homem alcança salvação
através de Jesus Cristo, isso não depende da vontade ou decisão da pessoa, mas
de Deus, que escolhe mostrar misericórdia a ela. Assim, um homem mostra
incredulidade ou mesmo se opõe a Deus não porque decide isso por si mesmo, mas
porque Deus escolheu endurecê-lo para uma finalidade que ele próprio tem. O
apóstolo conclui: “Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem
quer” (v. 18).
Um homem
crê em Jesus porque Deus o faz crer em Jesus. Outro homem é endurecido contra o
evangelho porque Deus o torna endurecido. O caminho de cada pessoa é
determinado antes de seu nascimento, mesmo na eternidade, antes da criação do
mundo. As decisões de uma pessoa não determinam seu caminho, mas seu caminho
preordenado determina essas decisões. O destino de um homem não é determinado,
mas sim revelado por suas escolhas, isto é, por aquilo que Deus faz o homem
decidir de acordo com o propósito divino.
Esta é
uma das doutrinas bíblicas mais simples e explícitas. No entanto, é também a
doutrina mais detestada, pois da forma mais clara possível revela Deus como
sendo Deus, e até mesmo os cristãos que não gostam muito de Deus. Nesta
doutrina ficamos frente a frente com o que significa ser Deus, e somos
compelidos a mostrar se, de fato, reconhecemos Deus como o total soberano ou se
buscamos manter controle sobre alguns aspectos de nós mesmos e acalentar a
ilusão de que de fato é possível agirmos assim. Mesmo entre crentes e teólogos
que professam a soberania de Deus da boca para fora, muito poucos recebem essa
doutrina da causação divina direta e total de todas as coisas sem tentar criar
por si mesmos uma saída para escapar disso. Ou eles podem condenar essa versão
genuína de Deus e então resgatar Deus reduzindo-o a algo inferior.
Assim,
Paulo antecipa a divergência. Ele espera que alguém lhe diga: “Então, por que
Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” (NVI). Em outras
palavras, se é Deus quem endurece uma pessoa para ela não poder buscar a
justiça ou crer na verdade, por que Deus ainda condena ou pune o pecador? A
objeção não faz sentido a menos que seja assumido que responsabilidade
pressupõe liberdade, no sentido de que uma pessoa deveria ser livre para tomar
as suas próprias decisões se tivesse de ser responsabilizada por elas. Mas Deus
não concorda com essa suposição; na verdade, todos os versículos anteriores
repudiam essa ideia. Uma pessoa é condenada e punida por seus pecados porque
transgrediu os mandamentos de Deus. A causa de suas transgressões é
irrelevante. Se ela transgrediu, é uma transgressora.
Paulo
passa a responder ao desafio e no processo revela insights adicionais na
doutrina. Declara que o oleiro tem o direito de fazer do mesmo barro um vaso
para honra e outro para desonra. O apóstolo está fazendo contraste entre dois
tipos de pessoas — os eleitos, aqueles que Deus predeterminou para se tornarem
cristãos, e os réprobos, aqueles que Deus predeterminou para continuarem não
cristãos. Assim, o vaso para honra representa o cristão e o vaso para desonra
representa o não cristão. Provavelmente, o vaso para honra seria representado
no ambiente doméstico como um testemunho da riqueza e requinte do proprietário.
Por outro lado, o vaso para desonra seria provavelmente relacionado a uma lata
de lixo ou até mesmo ao banheiro. Assim, Deus entende que os réprobos são as
latas de lixo e os banheiros deste mundo. Sabemos do que são cheios os
banheiros — de algo que fede a incredulidade, ciência e religião não cristãs.
A Bíblia
contradiz o ponto de vista quase unânime de teólogos cristãos no fato de que a
exposição que ela faz da doutrina não deixa espaço em nenhum sentido para a
liberdade e a autodeterminação, ou à noção de que a soberania divina é
compatível com essas coisas. Por que importa se o controle do oleiro sobre o
barro é compatível com os desejos do barro? Porventura a coisa formada dirá ao
que a formou: “Por que me fizeste assim?”. O homem não é representado como
dizendo de uma forma ou de outra: “Por que passivamente ordenaste que eu
deveria usar meu poder de autodeterminação para eu concorrentemente decidir me
tornar o que decretaste para eu ser?”. Não, ele diz: “Por que me fizeste
assim?”. Tu. Tu me fizeste. Tu me fizeste assim.
Por
contato direto e com suas próprias mãos, o oleiro molda o barro no vaso que ele
quer que venha a se tornar. Embora isso se aplique tanto ao vaso para honra
como ao vaso para desonra, a objeção se refere àqueles a quem Deus “culpa” — a
objeção está essencialmente interessada em como o vaso para desonra é
fabricado. A resposta de Paulo significa que Deus é ativo em fazer do homem
perverso aquilo que ele é. Deus faz isso usando “da mesma massa” da qual faz os
vasos para honra e não de algum material com traços desonráveis já presentes.
Em outras palavras, as características do réprobo vêm diretamente e totalmente
das mãos de Deus e de nenhum outro lugar. Paulo não vê nada de errado nisso.
Deus tem o direito de fazer de um homem a sua obra-prima e de outro o seu
banheiro. Quem disse que um oleiro mestre não deve fazer um banheiro se ele
assim o deseja? E quem é o banheiro para dizer ao oleiro: “Por que me fizeste
assim?”. Mas até um banheiro queixoso pode fazer mais do que apenas
lamuriar“Tenho livre-arbítrio!” ou mesmo “Eu não sou coagido!”.
A verdade
da fé cristã é simples e óbvia. Nunca há uma boa objeção contra ela; ela deve
ser reverentemente aceita. E porque a verdade é simples e óbvia, toda objeção à
fé cristã é sempre estúpida e má. Porque toda objeção à fé cristã é estúpida e
má, devemos atacar toda objeção, e para que não se alegue que evitamos o
problema, devemos também respondê-lo. Mas, mais do que isso, é característica
da Bíblia atacar a pessoa que faz a objeção. Isso ocorre porque sempre que uma
pessoa questiona a fé cristã, necessariamente significa que há algo de errado
com a pessoa.
Paulo não
diz: “Ó homem inteligente e maravilhoso, por que faz uma objeção tão ultrajante
contra Deus?”. Não, o apóstolo ataca o homem diretamente — “Mas quem é você, ó
homem, para questionar a Deus?” É uma pergunta retórica — quer dizer que o
homem não é ninguém e deve fechar a boca. Paulo não é estúpido como os nossos
pregadores e teólogos. Eles nos dizem que os não cristãos podem ser sinceros e
inteligentes, e mesmo assim fazer objeções contra Deus. De onde veio esse
absurdo? Talvez eles aprenderam isso dos não cristãos, que estão sempre
desesperados para afirmar a sua sinceridade e inteligência. Ou talvez os
pregadores e teólogos querem saudar a sua própria rebeldia contra Deus. Mas
Jesus disse que a boca fala do que está cheio o coração. O não cristão faz
objeções porque é um pecador, um rebelde — ele não apenas age como um, mas é
um. Qualquer cristão que faz uma contribuição significativa em pregações ou
debates deve criticar e depreciar a pessoa — o próprio não cristão — e não
apenas seus argumentos e suas ações.
Quem é
você, ó não cristão, para desafiar a verdade de Deus, quando a Bíblia declara
que você já sabe sobre ele? Como um covarde, como uma criancinha assustada,
você reprime esse conhecimento para que não precise lidar com a realidade. Quem
é você para rejeitar um veredito de culpado quando a Bíblia mostra que todos
pecaram e estão destituídos da glória de Deus? Você retruca: “Quem é você para
me julgar?”. Bem, quem é você para dizer que não devo declarar o julgamento de
Deus sobre você? Quem é você para recusar o evangelho? Você não é ninguém. Você
não é nada.
Quem é
você, ó legalista, ó religioso hipócrita, para recusar a Jesus Cristo, quando a
própria Lei diz a você para abandonar seus próprios esforços e depender de
Jesus como seu mediador e defensor? Quem é você para pensar que pode ser seu
igual ou superior? Quem é você para dizer que pode alcançar o céu com o que
considera boas obras, quando Deus as rejeita como trapos de imundícia? Você não
é ninguém. Você não é nada.
Quem é
você, ó arminiano, para dizer que Deus não decreta e causa todas as coisas
unicamente por sua própria vontade e para o seu próprio propósito, e sem
considerar a fé e a decisão do homem, pois Deus causa a fé e a decisão do homem
por causa de seu decreto eterno? Quem é você para pensar que o homem tem poder
de escolher, até mesmo para decidir o seu destino eterno? Quem é você para
dizer que Cristo poderia pagar o preço para redimir um homem e, contudo, perder
o homem para a ira de Deus? E quem é você para dizer que um homem, uma vez
apreendido por Deus, pode livrar a si mesmo das mãos de Cristo? Você não é
ninguém. Você não é nada.
Quem é
você, ó calvinista, para dizer que Deus não pode ser o autor do pecado e aquele
que diretamente cria e endurece homens perversos? Quem é você para dizer que
Deus meramente ignora os réprobos, quando as Escrituras afirmam que Deus forma
eles por suas próprias mãos como um oleiro molda barro para fazer latas de lixo
e banheiros? Seu hipócrita! Finge defender a justiça e a santidade de Deus,
quando a questão apenas surge porque você julga Deus pelo padrão do homem. Com
uma mão você rouba de Deus a sua soberania, e com a outra o indeniza com
justiça humana. Quem é você, ó homem, para pensar que pode ir longe com isso?
Você não é ninguém. Você não é nada.
Quem é
você, ó teólogo reformado? Você é muito melhor que o arminiano? Repetidamente,
ao firmar um pé na ortodoxia e um pé na blasfêmia, você gera inúmeros paradoxos
e contradições e chama isso de grande mistério de Deus! Ó vaidade das vaidades,
uma teologia de sistemática futilidade!
Fora com
todos vocês! Deus exerce controle completo e imediato sobre todas as coisas,
incluindo as decisões e destinos de todos os homens. Assim como molda seus
escolhidos em suas obras-primas, ele molda os réprobos em recipientes de lixo e
fezes. Ao contrário dos nossos pregadores e teólogos, o oponente de Paulo ao
menos entende a doutrina: Deus endurece a quem quer (v. 18), para que eles não
creiam e sejam salvos. Ele faz isso por seu poder ativo e direto, assim como um
oleiro que molda o barro (v. 21). Esses homens são preparados para destruição
(v. 22). Eles não podem resistir à vontade de Deus, mas mesmo assim ele os
culpa e pune (v. 19). Ele pode fazer isso porque é Deus, e ninguém pode dizer
uma palavra contra ele (v. 20).
Fonte: Monergismo
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